terça-feira, 29 de outubro de 2013

Precários nos querem, rebeldes nos terão - intervenção de Sara Simões, dos PI

Precários nos querem, rebeldes nos terão

Em 2011, uma música de Deolinda falava da “geração casinha dos pais”. A música “Parva que sou” levou a que milhares de pessoas, ouvindo musicada a sua história, ou solidarizando-se com a realidade de milhares de portugueses, enchesse as ruas no dia 12 de Março.
A troika chegou a Portugal em Maio de 2011 e encontrou um país onde há algumas décadas que os direitos no trabalho estavam a regredir, impondo-se a precariedade como uma condição dos tempos modernos.
Hoje, não restam dúvidas de que a precariedade é, na verdade, um plano intergeracional. Metade da população ativa em Portugal é precária ou está desempregada. Hoje, não há ninguém que não conheça de perto o rosto da precariedade e do desemprego. Deixou de haver uma “geração da casinha dos pais”, a geração da precariedade e da insegurança verticalizou-se e tornou-se regra. A geração precária são todas as gerações, somos todas e todos nós.
Diziam a direita e os partidos do centro que os jovens não queriam o mesmo trabalho para a vida toda, queriam mobilidade e evolução nas carreiras e que a legislação laboral era demasiado rígida, que a precariedade era também uma forma de aumentar a competitividade das empresas e aumentar o emprego.
A troika trouxe consigo a chantagem da dívida e a desculpa perfeita para acelerar a destruição dos direitos no trabalho e a implementação de todas as medidas de austeridade. Desde a sua chegada o desemprego passou de 13% para 25%, o desemprego jovem de 27% para 40% e mais de 200 mil pessoas emigraram, em especial os trabalhadores mais qualificados. Os funcionários públicos perderam 2 salários por ano e os privados perderam 1. Os apoios sociais às famílias mais pobres foram os primeiros a ser atacados e a maioria dos pensionistas já vivem na miséria. Serviços públicos como a educação, a saúde e os transportes, que representam uma forma de salário indirecto, estão a ser brutalmente destruídos para dar lugar a serviços privados.
O desmantelamento dos serviços públicos é justificado com a argumentação de que é preciso cortar nas despesas, em especial nas “gorduras do Estado”, e aumentar a sua eficiência, mas ao mesmo tempo que se despedem milhares de professores e se fecham escolas o Governo cria o cheque-ensino, uma forma de utilizar dinheiros públicos para financiar o ensino privado. Muitos jovens abandonaram o ensino superior porque deixaram de conseguir suportar os custos de um ensino a caminho da privatização, mas muitos mais são aqueles que já perderam a esperança e não se vão candidatar.
O Governo e a Troika engendraram o maior mecanismo de destruição de direitos e da própria economia que o país algum dia conheceu. Implementou-se um regime de austeridade e experienciamos hoje uma gigantesca transferência de valor do trabalho para o capital. As pensões e muitos serviços de apoio social estão comprometidos pela destruição do emprego mas também porque o Governo está a investir em dívida pública o dinheiro que estava destinado ao pagamento destes serviços e que foi acumulado através de impostos ao longo de gerações.
Perante este cenário de destruição massiva e de hegemonia de um discurso político que culpabiliza os trabalhadores afirmando que andámos durante anos a viver acima das nossas possibilidades, o movimento social conseguiu, ainda assim, contestar e encher as principais praças e ruas do país com gente em oposição às medidas de austeridade, exigindo a demissão do Governo e a recusa da política da troika. Desde a chegada da troika multiplicaram-se as manifestações e as greves. Geraram-se os maiores momentos de mobilização que a sociedade portuguesa conheceu nas últimas décadas, através da plataforma “Que se lixe a troika!”. A 15 de Setembro de 2012 e a 2 de Março de 2013, ao apelo lançado pela plataforma “Que se lixe a troika” para realização de 2 manifestações milhares de pessoas encheram as ruas. Apesar da força que se fez sentir, o Governo não caiu e o programa da troika continuou. 
O desprezo com que fingem ignorar a vontade do povo, é mais um artifício para nos desmoralizar. Mas hoje, mostramos mais uma vez que não desistimos. Queremos as nossas vidas e nada, nem ninguém, nos vai parar. O Governo só cai quando juntos nos levantarmos. E continuaremos a fazê-lo e a resistir, até que quem não tenha mais saída sejam eles a não ser demissão.
(também publicado no site dos Precários Inflexíveis)